segunda-feira, 15 de março de 2010

AUTÓPSIA PSICOLÓGICA

No mundo da investigação criminal, nomeadamente no campo da determinação do suicídio, falta invariavelmente o «factor determinante», isto é, o que se passava na mente da vítima na hora da morte.
É que um falecimento não deve ser classificado como suicídio até que tenha sido descartada qualquer outra possibilidade que o explique.
Autópsia Psicológica, em termos conceptuais, é a exploração retrospectiva e indirecta da personalidade e da vida de uma pessoa já falecida. Trata-se de fazer uma avaliação depois da morte, de como era a vítima em vida, uma espécie de reconstrução sociopsicológica postmorten.
Em termos de antecedente histórico do surgimento da autópsia psicológica recordamos o caso do oficial que foi vítima de homicídio às mãos da sua amante, nos anos 40 do século passado. O advogado de defesa da agressora solicitou aos peritos psiquiatras para provarem que o oficial era “anormal e perigoso”, como justificação para o gesto homicida da sua cliente.
Os peritos estudaram cartas, o diário íntimo e um livro de poemas do falecido, revisitaram a história clínica de um hospital militar onde a vítima estivera internado, podendo então estabelecer que padecia de um transtorno da personalidade particularmente centrado na sua vida sexual.
A autópsia psicológica enquanto técnica pericial surgiu nos EUA apenas nos anos 60 como uma saída para uma necessidade administrativa que pudesse definir a etiologia médico-legal das mortes duvidosas, para as quais não havia suficientes elementos para afirmar se se tratava de um suicídio ou um acidente.

Este processo, que se inicia logo após o exame à própria cena da morte nos casos penais, não pode ser realizado apenas por um perito, mas, precisa do trabalho em equipa dos criminalistas, médicos legistas e investigadores policiais, pois só assim é possível lograr uma caracterização profunda e cientificamente fundamentada da vítima.
Como se realiza então uma autópsia psicológica dentro do contexto da investigação criminal?
O principal factor neste trabalho é o processo em si mesmo, o modo de fazer as coisas, que parte do próprio lugar do facto. Não apenas os peritos em criminalística podem recolher vestígios, como também se podem levantar vestígios psicológicos que ficam impressos nos espaços que a vítima habitou e nas pessoas que com ela interactuaram. Para ambos os peritos a cena da morte emite sinais, que é preciso interpretar e descodificar. Nesse campo não podem deixar de ser levados em conta as notas, os diários, as cartas e outros documentos da vítima, que apesar de não revelarem valor aparente, são fundamentais para os investigadores, pois é muitas vezes entre eles que a está a chave do enigma da sua morte.
O segundo passo é a entrevista a pessoas que conheceram o falecido, de preferência familiares, amigos, vizinhos, companheiros de estudo, trabalho, religião, bem como relacionamentos de proximidade e acasalamento formais ou ocasionais.
É importante aclarar que a selecção das fontes de informação deve excluir suspeições provenientes de pessoas envolvidas na morte da vítima, pois o risco de «contaminação» é muito elevado.
Neste tipo de trabalho, a possibilidade de intercruzar critérios e hipóteses desde a primeira hora entre médicos legistas, criminalistas e investigadores policias, faz aumentar a eficácia desta técnica denominada autópsia psicológica., pois permite enriquecer a análise científica da vítima e das circunstâncias que rodearam a morte.
Uma vez recolhidos todos os elementos necessários para conseguir uma caracterização do caso, é conveniente a realização de uma discussão colectiva na qual participem os peritos e os investigadores policiais para possibilitar uma informação pericial em termos probabilísticos, pois trata-se aqui de uma avaliação indirecta e da formulação de conclusões que só ganham valor em termos de somatório dos elementos criminalísticos, policiológicos e médico-legais.
Como discernir através da autópsia psicológica entre suicídio, homicídio e acidente, no contexto de uma morte duvidosa, em que nem o médico-legista, nem o investigador têm suficientes elementos para decidir?
1. Valorando os factores de risco suicida, de risco hetero-agressivo ou de risco acidental.
2. Valorando o estilo de vida do morto
3. Determinando o estado mental no momento da morte
4. Estabelecendo as áreas de conflito e de motivação.
5. Desenhando o perfil de personalidade do morto
6. Determinando se existiam sinais de aviso pré-suicida.
7. Determinando se existia um estado pré-suicida.

Também como parte da investigação criminal a autópsia psicológica logra estabelecer o círculo de suspeitos nos homicídios de autor desconhecido. Ao caracterizar a vítima com os seus conflitos, motivações e estilo de vida, os psicólogos criminais oferecem aos investigadores criminais elementos de probabilidade quanto a possíveis autores. Dito de outra maneira: não só se adequam com frequência o autor e a vítima, um ao outro, como as condições de vida de ambos apresentam amiúde características complementares.