segunda-feira, 30 de março de 2020

domingo, 29 de março de 2020

DESASTRES DE MASSA


Os desastres de massas, também denominados acidentes de massa ou grandes catástrofes definem-se como qualquer situação que, resultante da mesma ocorrência, ocasiona um número de vítimas, mortais ou não, superior à capacidade de resposta dos meios de salvamento e socorro existentes no local. 

Estratégias da intervenção médico-legal nos desastres de massas

Os desastres de massas podem ser de dois tipos: 
ð  Abertos - quando não se conhecem as vítimas, quem são ou quantas são (terramotos, inundações, incêndios, atentados terroristas, acidentes rodoviários em cadeia, etc.);
ð  Fechados - quando as vítimas são conhecidas, sabe-se quem são e quantas são (acidentes aéreos, naufrágios, acidentes ferroviários, etc., quando há listas de passageiros). 
Podemos dividir os objectivos da intervenção médico-legal em dois grandes grupos: os objectivos imediatos, que são a recolha das vítimas mortais e a execução das autópsias médico-legais, e os objectivos importantes, que tem que ver com a reconstrução exacta dos factos e a colheita de provas para fins jurídicos e criminais.
Nos desastres de massas, a autópsia médico-legal tem como objectivos fundamentais: 
1º.     Identificação das vítimas; 
2º.     Determinação (ou confirmação) da causa da morte; 
3º.     Outros aspectos secundários, como a determinação da data ou do momento da morte.

Os procedimentos necrópsicos variam conforme a vítima for considerada ou não uma “vítima-chave”. Os cadáveres dos indivíduos implicados de alguma maneira no evento, como motoristas, pilotos, maquinistas, presumíveis terroristas, ou outros, devem ser examinados com maior detalhe, nomeadamente no referente à investigação toxicológica (álcool, drogas de abuso, medicamentos, monóxido de carbono, etc.) e aos exames histopatológicos (exclusão de causas de morte súbita natural). O exame necrópsico das restantes vítimas poderá ser mais abreviado.

Actuação sobre os cadáveres no local da ocorrência
Cabe ao INEM a prestação dos cuidados médicos de emergência nos locais atingidos, efectuando a triagem dos sobreviventes para os canais de evacuação primária e secundária e verificando os óbitos nos casos das vítimas mortais. Nesta tarefa, os médicos do INEM utilizam geralmente etiquetas devidamente estruturadas e fornecidas pelo Serviço Nacional de Protecção Civil, designadas como “Fichas de Levantamento até à Primeira Organização Hospitalar”. Estas fichas, devidamente preenchidas pelo médico no local, são introduzidas em bolsas plásticas e amarradas a cada vítima para que o pessoal que colabora na evacuação se possa orientar no destino a dar a cada uma e os médicos dos postos avançados de atendimento ou das organizações hospitalares secundárias tenham informação sobre as condições do doente e os primeiros auxílios já prestados. Para além disso, funcionam como certificado de verificação do óbito. Nelas deve constar a data e hora da verificação, a localização da vítima, o estado do cadáver (completo, mutilado, carbonizado, etc.) e a presença de espólio a acompanhar. Para além de auxiliar o médico da Equipa Médico-Legal (EML) na elaboração do relatório de cada vítima, os elementos constantes nesta etiqueta poderão substituir o registo fotográfico do cadáver no local. A catalogação dos restos mortais recuperados em “cadáver” (body) ou “parte de cadáver” (body part), reveste-se de extrema importância para a contabilização final das vítimas do desastre. Uma única vítima pode estar constituída por várias “partes de cadáver”. Os cadáveres, devidamente etiquetados serão conduzidos à EML, no sítio onde deverá funcionar o necrotério provisório.
Actuação da Equipa de Catástrofe do INML
Cabe a cada médico da EML executar as autópsias médico-legais das vítimas. Neste contexto, são funções destes médicos:
a.    Colaborar com os elementos da Policia Judiciária na identificação dos cadáveres, permitindo e auxiliando na colheita de sinais morfológicos genéricos de identificação, impressões digitais, fórmula buco-dentária, etc;
b.   Colaborar também com os elementos da Policia Judiciária na elaboração do registo fotográfico do cadáver, bem como no registo do espólio (peças de vestuário, etc);
c.    Efectuar o exame externo e interno do cadáver;
d.   Recolher todo o material estranho encontrado no cadáver, nomeadamente projécteis de arma de fogo, fragmentos metálicos, peças de componentes mecânicos, etc.;
e.    Recolher todas as amostras biológicas necessárias para a realização de exames complementares;
f.    Manter o Médico Coordenador permanentemente a par dos acontecimentos, comunicando-lhe constantemente todos os achados necrópsicos relevantes.
g.   Elaborar os relatórios das autópsias.

Identificação das vítimas
O perito médico-legal é responsável por estabelecer a identidade das vítimas utilizando os seguintes métodos: 
A.      Presuntivos
1.   Identificação visual directa ou fotográfica, se visualmente reconhecíveis; 
2.   Espólio pessoal (p.ex., carteiras, jóias), circunstâncias, características físicas, tatuagens e dados antropológicos. 
B.      Confirmativos
1.   Impressões digitais;
2.   Odontologia;
3.   Radiologia;
4.   Análise de ADN;
5.   Antropologia Forense. 
1.      Impressões digitais
As impressões digitais são uma forma de identificar vítimas desconhecidas e confirmar a identificação daquelas que são reconhecidas com incerteza por outros meios (p.ex. descrições de testemunhas ou fotografias). 
2.      Odontologia
Os dentes são estruturas fundamentais à identificação médico-legal, em virtude da sua resistência (à putrefacção, ao calor, aos traumatismos e à acção de certos agentes químicos) e especificidade (cada dentadura é única). 
Entre as características individualizantes a analisar contam-se: 
ð  número de dentes;
ð  alterações morfológicas congénitas ou adquiridas (hábitos, profissão, etc);
ð  alterações da posição ou rotação;
ð  alterações patológicas (cáries) ou traumáticas;
ð  existência de tratamentos ortodônticos (almágamas, coroas, pontes, próteses fixas ou amovíveis). 
Pode ser realizado o estudo radiológico dos dentes para posterior comparação com Rx feitos em vida. 

3.      Radiologia
A radiologia é um passo precoce fundamental no processamento dos restos mortais e na confirmação ou exclusão de uma potencial identidade, servindo como método primário de identificação. 

4.      Análise de ADN
Em casos envolvendo desastres de massa e/ou restos mortais extremamente fragmentados, o ADN proporciona um componente essencial no processo de identificação, permitindo: 
a.     Identificar as vítimas;
b.     Associar restos mortais fragmentados.
São recolhidas três tipos de amostras biológicas para análise de ADN:
a)       Restos mortais; 
b)      Referências familiares apropriadas; 
c)       Referências directas (p.ex. espécimes biológicos e bens pessoais)

5.      Antropologia Forense
Trata-se de uma identificação morfológica. Os estudos de identificação baseiam-se, sobretudo, na análise dos ossos, os quais conservam aspectos da vida do indivíduo que podem persistir muito para além da morte e serem preciosos à sua identificação. É o caso de fracturas ou calos de fracturas, de sequelas de determinadas patologias ou mesmo de malformações. Esta técnica só será bem sucedida se, para além das características gerais de identificação do indivíduo, apuradas através de métodos reconstrutivos (ex: sexo, altura, idade aproximada), for também possível proceder a um estudo comparativo que permita determinar características individualizantes. Este sucesso dependerá, também, da existência de material suficiente para a identificação.
Relativamente às situações mortais, podemos considerar como objectivos da Antropologia Forense:
1.       Determinar identidade do indivíduo;
-     origem dos restos (humana, animal, vegetal, outra);
-     características gerais de identificação (sexo, idade, altura, raça);
-     características individualizantes (sinais particulares);
2.       Determinar data da morte;
3.       Determinar causa da morte;
4.       Interpretar as circunstâncias da morte.

1.       Identidade
Determinar a espécie dos restos cadavéricos ou a origem do material constitui um passo fundamental pois, não raramente, trata-se de restos de animais ou até de objectos (ex: bonecos de plástico encontrados em locais suspeitos). Em geral uma observação atenta do(s) osso(s) permite fazer o diagnóstico, existindo contudo certas técnicas a que pode ser feito recurso como sejam a determinação do seu peso, da sua densidade ou índice medular, ou a análise das suas características histológicas, radiológicas ou imunológicas. As características gerais de identificação são relativas a vários aspectos, entre os quais o sexo, a idade, a altura e a raça. A determinação do sexo baseia-se nas características morfológicas de certos ossos, como os da bacia. Em geral nos homens os ossos são mais robustos (com maior predominância do volume epifisário relativamente ao volume da diáfise) e com mais marcas das inserções musculares do que no caso das mulheres; nas crianças esta determinação é mais difícil devido à falta de diferenciação de certas características sexuais. A determinação da idade obedece a diferentes regras conforme se trate de um feto, de uma criança ou jovem ou de um adulto. Para os fetos usam-se a fórmulas de Balthazard e Dervieux: Idade (em dias) = comprimento do feto (em centímetros) x 5,6. No caso de apenas existirem fragmentos ou ossos isolados, utilizam-se tabelas para calcular o comprimento do feto e, através deste, determina-se a idade. No caso das crianças pequenas a determinação da idade tem por base o seu estádio de desenvolvimento. No caso das crianças mais velhas a idade pode ser determinada através dos dentes (decíduos e definitivos, com base em tabelas), através das epífises de crescimento dos ossos longos ou dos núcleos de ossificação de outros ossos (ex: suturas cranianas), ou através do comprimento dos ossos longos. Contudo, esta determinação corresponde apenas a uma estimativa, não se tratando de uma avaliação exacta. 
No adulto recorre-se, geralmente, à análise dos dentes ou das alterações a nível da sínfise púbica podendo, também, proceder-se ao estudo da fusão das suturas cranianas quando não existam dentes ou ossos da bacia. Podem ainda ser tidas em conta alterações que tendem a surgir com a idade, como alterações degenerativas ósteo-articulares. A determinação da altura pode ser feita através da medição do esqueleto (método anatómico) ou, caso este não exista na sua totalidade, através da medição dos ossos longos. Esta avaliação baseia-se na proporção constante entre este comprimento e a altura do indivíduo (0,8). Na determinação da raça (afinidade populacional) geralmente consideram-se as variações dos traços crâneo-faciais (prognatismo facial inferior, conformação do malar ou do palato, proporção das superfícies orbitárias e nasal, características da abertura do nariz e do bordo nasal inferior e certos estigmas dentários).
As características individualizantes correspondem a aspectos específicos que podem caracterizar o indivíduo, através do método comparativo de identificação, com base em elementos fornecidos por pessoas supostamente conhecidas da vítima (ex: fotografias, registos clínicos, sobretudo da medicina dentária, RX, antecedentes patológicos ou traumáticos, hábitos, etc.). Podem valorizar-se aspectos anatómicos próprios do sujeito, como a morfologia dos seios frontais, sinais característicos de determinadas profissões ou hábitos (alterações nos dentes ou pigmentação das faneras), marcas de traumatismos antigos ou recentes (fracturas, calos ósseos, amputações, dismorfias) ou de determinadas doenças (infecções, tumores, doenças articulares ou endócrinas ou, ainda, perturbações nutritivas). A comparação com as características encontradas pode ser feita com base em estudos radiográficos, comparação fotográfica (sobreposição de imagem em computador pesquisando-se a existência de concordância entre as linhas e curvas da face com pontos do esqueleto) ou reconstrução da face.
2.       Data da morte
A determinação da data da morte é muito complexa, pois na sua maioria, trata-se de casos em avançado estado de decomposição cadavérica. Existem, contudo, uma série de metodologias orientadoras, entre elas: fase de decomposição cadavérica; estudo da fauna necrófaga encontrada no corpo (entomologia forense); estudo das modificações da composição química do osso (relação entre matéria orgânica e inorgânica).
3.       Causa da morte
A causa da morte, no caso de indivíduos esqueletizados só pode ser estudada relativamente a situações que deixem marcas nestas estruturas, como é o caso de certos traumatismos com fracturas ou ferimentos por armas de fogo ou, ainda, de intoxicações crónicas pelo arsénio. 
4.       Circunstâncias da morte
Esta é em geral difícil e as conclusões escassas, limitando-se geralmente à análise da existência, ou não, de sinais de violência e da interpretação da vitalidade de certas lesões (diagnóstico diferencial com lesões pós-mortem provocadas por animais ou outros elementos da natureza - tafonomia).

quarta-feira, 25 de março de 2020

ENSINAR AS CRIANÇAS PARA A SUA PROTEÇÃO

As crianças por natureza são particularmente vulneráveis para todos os tipos de abuso pela sua dependência nos adultos e pela falta de conhecimento sobre o perigo e autoproteção.
Pelo menos 80% dos casos de abusadores sexuais são conhecidos da criança.  
Os agressores são escolhidos por serem obedientes, submissos e dependentes emocionalmente, autoestima baixa, que sabem pouco sobre sexualidade humanas e são passivos e com medo.
Os abusadores não apresentam aspeto de monstros, eles são normais, bem parecidos e educados.
Eles usam vários métodos para manterem as crianças em silencio: ameaças, chantagem emocional e abuso físico. 
A maioria dos abusadores são homens heterossexuais. 
Estudos demonstram que os abusadores femininos rondam cerca de 20% de abuso para rapazes, e 5% para raparigas.
Em cerca de 30% de casos de abuso sexual, os agressores são adolescentes com mais de 17 anos. 
Pais e professores devem saber que algumas mensagens que são dadas às crianças que podem contribuir para a sua vitimização: os adultos estão sempre certos, um polícia vai levar-te se não te portares bem, dá um beijo ao teu tio.
Ter uma boa comunicação com a criança é a chave importante.
Ensinar às crianças competências interpessoais que são indispensáveis para a segurança e para relações satisfatórias. 
É crucial ouvir cuidadosamente a criança fazer perguntas para obter mais informações, tomar medidas para proteção da criança reportar o incidente à polícia e aos serviços sociais. 
As crianças devem compreender que elas não são culpadas pelo abuso e que elas estiveram bem em falar sobre o assunto.

Esforços para dar ferramentas à criança para prevenção de abuso sexual: 
1.     Preparação para o dia-a-dia
2.     Identificar e responder a situações potencialmente perigosos
3.     Identificar, prevenir e parar o abuso sexual
4.     Procurar ajuda 
Preparar criança para o dia-a-dia:
1.     Respeito pela individualidade. Ajudar a criança a ter orgulho na sua individualidade.
2.     Expressar as suas necessidades e sentimentos, ensinar a criança a reconhecer e aceitar os seus sentimentos, incentivar a criança a falar sobre as suas necessidades e rejeitar propostas indiretas. 
3.     Competências para resolver problemas e tomar decisões. Encorajar a criança a usar estas competências no dia-a-dia, quando é confrontada com situações de desafio.
4.     Respeito próprio e pelos outros. Encorajar as crianças para o respeito próprio e esperar respeito dos outros. 
5.     Respeitar e empatia pelos outros. Ensinar a criança a respeitar e enfatizar com os outros.
6.     Comunicação positiva sobre sexo. Sexualidade, genitais ou a interesse da criança no seu corpo, não deve ser visto como negativo.

Os abusadores sexuais raramente escolhem crianças com autoconfiança, porque elas sabem que é provável a sua vitimização.
As crianças devem prestar atenção, aos sinais corporais que revelam ameaça.

Identificar, prevenir e parar abuso sexual:
·      “o teu corpo é apenas teu”. Ensinar a criança que o seu corpo é seu, e que ninguém deve tocar sem a sua autorização. Zonas privadas do corpo, usar os nomes dos genitais e outras partes do corpo, irão ajudar a criança a compreender o que não pode, e o que pode um adulto fazer quando em contato com ela. 
·      “Toque seguro e não seguro”. Ensinar a criança da diferença entre segurança/apropriado, e inseguro/inapropriado toque. Dizer à criança que não é correto se alguém olha ou toca as suas partes privadas ou pedir para olhar ou tocar nas zonas privadas.
·      “Não, vai e diz”. As crianças devem ser treinadas para dizer: “Não” ao contato físico inapropriado e dizer a um adulto de confiança, assim que seja possível. 
·      “Um mau segredo e um bom segredo”.  Ensinar a criança sobre a diferença entre bom e mau segredo. O segredo é a tática principal do abusador sexual.
·      “O agressor é uma pessoa conhecida”. Para uma criança especialmente os mais novos é difícil compreender que alguém que é conhecido possa abusar dele.
·      “Procurar ajuda”. As crianças devem saber como pedir ajuda e quais os recursos da comunidade.
·      Ter uma comunicação aberta com a criança, construir relacionamentos que tenham como base confiança mútua,



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NEUROBIOLOGIA DO TRAUMA




A base da neurobiologia do trauma é a neurobiologia do medo. O lobo frontal é a área do cérebro que se desenvolve em último lugar nas mulheres o desenvolvimento dá-se por volta dos 21 anos e nos homens por volta dos 25 anos. Uma situação de stress tem um impacto elevado no lobo frontal, o que tem influência no seu funcionamento. 
A amígdala quando deteta uma situação traumática ativa a produção de noradrenalina e dopamina o que vai ter um impacto grande no lobo frontal. O lobo frontal congela. O lobo frontal fica afetado também na produção da memória existindo problemas no contexto e na sequência. 
Numa situação normal se perguntarmos a uma pessoa se ela se lembra do dia em que casou, ou se formou as pessoas lembram-se de detalhes únicos o que não acontece em situações de trauma. Numa situação normal uma pessoa consegue dizer os detalhes desde o início do dia até ao final do dia. 
Nos casos em que existe um evento traumático a memória fica muito fragmentada, a pessoa apenas lembra-se de locais, sons, cheiros, e são recordados de forma intensa que normalmente chamamos de flashbacks e pesadelos.
Por exemplo 1 pessoa que tem um acidente de carro pode acordar ao meio da noite com o barulho dos vidros a partirem, pode estar a beber um café e de repente sentir o cheiro da gasolina do carro a derramar, chamamos a isto de fragmentos sensoriais, porque o lobo frontal, o hipocampo e o tálamo, estão degradados pelas hormonas do stress.
A pessoa apenas tem fragmentos intensos e não colocados em contexto e sequencia. Quando se questiona esta vítima, nós podemos dizer: tu ouviste os vidros a partir, os pneus a travar, o cheiro a gasolina, mas o que aconteceu primeiro? Foram os vidros, os pneus, ou a gasolina?. O que a vítima vai fazer é tentar pensar numa lógica dos acontecimentos, mas a vítima não tem a certeza e as coisas poderão não ter acontecido dessa forma.
No fundo as vítimas pegam nos fragmentos e tentam colocá-los numa sequência que pareça lógica. Claro que existem muitas implicações para a forma como se conduz a entrevista. As perguntas devem incidir sobre os fragmentos sensoriais.
Nas vitimas de abuso sexual quando se perguntam coisas que vão alem dos fragmentos sensoriais, tais como, a que horas as coisas aconteceram ou detalhes periféricos, as vitimas vão ter tendência para responder, para tentarem ajudar, mas podem estar enganadas em relação à sequência e podem errar. A situação pode ainda complicar se a vítima for questionada novamente daí a uns dias, ela pode errar novamente porque na verdade ela não consegue colocar as memórias em sequência e mais uma vez ela tenta ajudar a investigação. 
Então ficamos com 2 ou 3 versões diferentes por parte da vítima o que pode levar a que o juiz pense que ela está a mentir porque existem inconsistências. As vítimas que são abusadas várias vezes podem ter memórias ainda mais fragmentadas. O cérebro destas vítimas perante a ameaça entram em modo de fragmentação mais rapidamente uma vez que detetam o episodio anterior. O lobo frontal começa a degradar mais rapidamente a amígdala produz estimulação dos neurotransmissores mais rapidamente. Nestes casos é prioritário conduzir a entrevista de forma muito cuidadosa.
Durante uma entrevista de uma mulher batida, observei que a mulher agarrava os seus pulsos diversas vezes. Eu parei a entrevista e perguntei o que se passava, para ela estar a agarrar os pulsos. Ela respondeu que não tinha dado conta, mas que há uma semana, que parecia que tinha uma sensação de que alguém a estava a agarrar, mas que ninguém estava efetivamente a agarrá-la. Esta memoria indicou que o agressor tinha agarrado esta mulher e que aquela sensação tinha ficado gravado na sua memoria de tal forma que ela não mais esqueceu. 
Ela não tinha memoria do que tinha acontecido, mas o lobo frontal ficou com este fragmento de memória. Quando eu agarrei os pulsos dela, ela fugiu assustada, aquela memória reativou a sensação que tinha vivido.
Hoje trabalhasse segundo o ciclo do sono. Deixa-se a vítima completar um ciclo de sono e só depois faz-se a entrevista. No entanto mais importante do que a data da entrevista é a forma como ela é conduzida. Evitar perguntas como: diga-me desde o princípio como as coisas aconteceram. Devem ser feitas perguntas sensoriais:
·      Diga-me tudo o que se recorda sobre o que cheirou? A vítima pode recordar-se da marca do perfume, do desodorizante do after shave.
·      Fazer perguntas sobre os sentidos, percorrer todos os sentidos.
·      Perguntar: existem algumas partes do seu corpo que tenham alguma sensação?

As memórias fragmentadas começam então a juntarem-se como um puzzle. A literatura revela que 2 a 3% dos casos são falsas acusações com histórias fabricadas. 
A chave para qualquer entrevista e avaliação é a compaixão e empatia. Se queremos que alguém nos dê informação detalhada, a melhor forma é que a pessoa sinta que pode confiar em nós. Ser aberto, compaixão, ter empatia e ser afável. 



quarta-feira, 11 de março de 2020

Aspetos Forenses do COVID 19



Os problemas críticos na gestão de infeções por Covid 19 na morgue incidem em torno de:
      preparação para a possível presença de uma infeção no falecido
      elaboração de protocolos apropriados 
      o estado da funerária e os seus equipamentos
      EPI
      profilaxia preventiva através da vacinação da equipa.

Na morgue, as infeções podem ser adquiridas através de:
      inoculação percutânea
      contaminação da pele sem inoculação
      ingestão
      inalação
      contaminação das superfícies mucosas (olhos, boca, nariz) 


As amostras para o diagnóstico de casos de COVID-19 no exame post mortem são idênticas às aqueles usadas ​​para diagnosticar em vida e consistem em: zaragatoas do trato respiratório superior, (esfregaço do nariz, esfregaço da garganta), trato respiratório inferior (expetoração, LBA) e um tubo de sangue para serologia. 
A urina, o sangue e o líquido cefalorraquidiano (LCR) devem ser colhidos antes de abrir qualquer cavidade do corpo, para reduzir a contaminação da pele. 
O sangue para cultura bacteriana deve ser retirado na região do umbigo para reduzir a contaminação fecal.
O sangue pode ser colhido das veias subclávia ou jugular ou do coração (ventrículo esquerdo) através do esterno.


Em geral, se a morte ocorreu após confirmação de infeção por COVID-19, é improvável que exista necessidade da realização de autópsia médico-legal. No entanto  se for realizada autópsia, recomenda-se a colheita das seguintes amostras pós-morte:
·      Amostras clínicas post-mortem para teste de SARS-CoV-2, o vírus que causa o COVID-19
·      Zaragatoa do trato respiratório superior, zaragatoa nasofaríngea e zaragatoa orofaríngea.
·      Zaragatoa do trato respiratório inferior: zaragatoa pulmonar de cada pulmão
·      Amostras clínicas separadas para teste de outros patógenos respiratórios e outros testes post-mortem, conforme indicado.
·      Tecidos de autópsia fixados em formalina do pulmão, vias aéreas superiores e outros órgãos principais.

Se NÃO for realizada autópsia, recomenda-se a colheita das seguintes amostras post-mortem:
·      Amostras clínicas pós-morte para o teste de SARS-CoV-2, o vírus que causa o COVID-19, para incluir apenas zaragatoas do trato respiratório superior: zaragatoa nasofaríngea e zaragatoa orofaríngea.
·      Amostras de zaragatoa nasofaríngea e orofaringea separados para teste de outros patógenos respiratórios.

Recomendações:
1. Conhecimento, experiência e preparação são os aspetos-chave na gestão de qualquer possível exame COVID-19 post-mortem.
2. COVID-19 é uma infeção por HG3.
3. É essencial a preparação de protocolos apropriados para práticas seguras e eficazes.
4. Deve ser usado EPI adequado.
5. As mortuárias devem ter sistemas técnicos adequados de amostragem de sangue, LCR e tecidos. Devem  ter acesso a instalações laboratoriais apropriadas de microbiologia e virologia.
6. As zaragatoas nasais são o método preferido para confirmar a infeção por COVID-19. 
7. Os corpos não devem ser embalsamados
8. Preferencialmente os corpos devem ser cremados.
9. Evite o contato direto com sangue ou fluidos corporais do corpo.
10. Verificar se as feridas estão cobertas com pensos impermeáveis. 
11. O número de pessoas permitidas na sala de autópsia deve ser limitado às pessoas diretamente envolvidas no procedimento.
12. Deve ser colocada etiqueta de advertência no saco cadaver.
13. A mortuária deve ser mantida limpa e ventilada adequadamente. A iluminação deve ser adequada. As superfícies e os instrumentos devem ser feitos de materiais que possam ser facilmente desinfetados.
14. Os compartimentos de armazenamento para cadáveres devem ser facilmente acessíveis para limpeza e manutenção regulares.
15. Remover o equipamento de proteção individual após o manuseio do corpo. De seguida, lavar as mãos com água e sabão líquido.
16. Todos os tubos, drenos e cateteres, devem ser removidos do corpo.
17. Os orifícios de drenagem de feridas e de punção da agulha devem ser desinfetados e revestidos com material impermeável.
18. O corpo deve ser primeiramente colocado num saco plástico transparente resistente a vazamentos, e deve ser fechado com fecho. 
19. Os familiares podem ver o corpo, mas devem evitar contacto cutâneo