Uma reflexão sobre doação de órgãos e autópsias, ou então a mistura disto tudo. Uma reflexão de quem fez manutenção de dadores, de quem assistiu a muitas autópsias, e de quem tem formação em transplantes e doação de órgãos, além de ter formação a vários níveis em medicina legal e ciências forenses, eu, Albino Gomes, e não venho falar do que vem em livros ou de ter ouvido outros a falar (para isso deixo os ilusionistas fazerem):
1 - A legislação portuguesa assenta no conceito de doação presumida, pelo que uma pessoa a partir do momento em que nasce adquire o estatuto de dador. Alguém que deseje não ser dador terá que por iniciativa própria, ou através de alguém com o direito de o representar (pais, no caso de menores), registar-se no Registo Nacional de Não Dadores. Posso dizer com conhecimento, que existe um número reduzido de não dadores, a maioria da população portuguesa é dadora.
2 - A todos os cidadãos que se tenham inscrito no Registo Nacional de Não Dadores é fornecido um cartão individual de não-dador.
3 - Os estabelecimentos hospitalares públicos ou privados que procedem a colheitas post-mortem de tecidos ou órgãos devem, antes de iniciar a colheita, verificar a existência de oposição ou de restrições à dádiva constantes do Registo Nacional de Não Dadores.
4 -MORTE CEREBRAL - cessação irreversível das funções do tronco cerebral…
5- Lei n.º141/99 de 28 de Agosto - A presente lei estabelece os princípios em que se baseia a verificação da morte.
6 - Critérios de Morte Cerebral - Condições prévias: Conhecimento da causa e irreversibilidade da situação clínica; Estado de coma com ausência de resposta motora à estimulação dolorosa na área dos pares cranianos; Ausência de respiração espontânea; Constatação de estabilidade hemodinâmica e da ausência de: hipotermia, alterações endócrino, metabólicas, agentes depressores do sistema nervoso central. agentes bloqueadores neuromusculares, que possam ser responsabilizados pela supressão das funções referidas nos números anteriores.
7 - O diagnóstico de morte cerebral implica a ausência na totalidade dos seguintes reflexos do tronco cerebral: Reflexos fotomotores com pupilas de diâmetro fixo; Reflexos oculocefálicos;c Reflexos oculovestibulares; Reflexos corneopalpebrais; Reflexo faríngeo.
Realização da prova da apneia confirmativa da ausência de respiração espontânea.
8 - Metodologia: Realização de no mínimo, dois conjuntos de provas com intervalo adequado à situação clínica e idade; A execução das provas de morte cerebral, por dois médicos especialistas (em Neurologia, Neurocirurgia ou com experiência de cuidados intensivos); Nenhum dos médicos que execute as provas poderá pertencer às equipas envolvidas no transplante de órgãos ou tecidos e pelo menos um não deverá pertencer pertencer à unidade ou serviço em que o doente esteja internado. Realização de exames complementares de diagnóstico, sempre que for considerado necessário.
9 - Após confirmação da morte cerebral é realizada a manutenção do dador e inicia-se o processo de ativação da equipa de transplantes. Posteriormente o corpo é conduzido para o Bloco Operatório onde será realizada a remoção dos orgãos em condição de serem dadores.
10 - A autopsia medico legal é realizada no INMLCF após os dois peritos médico legais realizarem a analise de todo o processo clinico da pessoa em questão, onde irão recolher informações importantes nomeadamente a lesão que levou ao diagnóstico de morte cerebral, EAD´s realizados e quais os órgãos doados.
11 - Os dois peritos médico legais tem em consideração a técnica cirúrgica realizada pela equipa de recolha de órgãos, que será descrita no relatório de autópsia.
12 - Um perito medico legal experiente e competente não tem dificuldade na realização da autopsia medico legal nestes casos, e saberá interpretar os achados do exame do hábito interno.
13 - Por exemplo numa situação é que a vitima sofra um TCE, cuja a lesão possa levar a morte cerebral, e sendo dador de órgãos, como é obvio não há doação de cérebro, mesmo que sejam removidos os vários órgãos abdominais e torácicos, e mesmo as córneas, não será de todo complicado, ao perito médico legal, fazer uma analise detalhada do crânio e estabelecimento da interpretação da causa de morte e respetivo nexo de causalidade, e concluir também que tipo de instrumento possa ter sido utilizado para causar o TCE.
Em breve mais reflexões sobre este tema. Não basta ouvir falar, nem ouvir dizer, é preciso ter conhecimento cientifico, competência e experiência....