quinta-feira, 14 de março de 2019

NEUROBIOLOGIA DA AGRESSÃO SEXUAL

O corpo humano reage à agressão sexual muitas vezes de formas contraditórias. Entender o efeito do trauma no cérebro e no corpo pode ajudar os juízes a entender as reações das vítimas. É importante que juízes, advogados, agentes da lei e outros profissionais que trabalham com vítimas, compreendam a neurobiologia de eventos traumáticos, como a agressão sexual e a violência doméstica, para que possam colocar o comportamento das vítimas no contexto adequado. 
Trauma e medo causam mudanças específicas de curto e longo prazo no cérebro que afetarão o comportamento da vítima. Quando esse comportamento não é consistente com o esperado, a veracidade da vítima pode ser questionada. Comportamentos como versões inconsistentes de eventos, falta de expressões faciais e uma falta aparentemente incompreensível de resistência ao ataque, podem causar dúvidas quanto à versão dos eventos da vítima. Estudos sobre a neurobiologia da agressão explicam as causas por trás desses comportamentos, que são comumente vistos em sobreviventes de agressão sexual.
A maior parte das pesquisas sobre a neurobiologia da agressão sexual são realizadas em sobreviventes adultos que sofreram agressões em crianças. Embora a agressão sexual possa acontecer em qualquer idade e em qualquer gênero, a maioria das vítimas é do sexo feminino (82% de todas as vítimas juvenis e 90% das vítimas adultas). Os estudos atuais começam a centrar-se nas características únicas que podem encontrar-se nas vítimas mais velhas. Em primeiro lugar, o abuso sexual repetido, causa danos traumáticos ao cérebro, e portanto, uma vítima idosa pode ter sofrido abuso quando era mais jovem, ou pode sofrer abuso contínuo, devido à incapacidade de denunciar o abuso causado por um comprometimento expressivo da comunicação. 
As vítimas mais velhas têm maior probabilidade de apresentar Transtorno de Stresse Pós-Traumático, possivelmente devido a uma redução na resiliência. Alguns estudos analisam o efeito deste tipo de trauma em indivíduos com deficiências cognitivas (que podem afetar algumas vítimas idosas), particularmente em casas de repouso. 
É importante analisar o impacto que o trauma apresenta sobre o hipotálamo e a glândula pituitária, e como isso afeta os níveis hormonais, os níveis de cortisol, a codificação, a resposta e a memória. O hipotálamo ou centro de comando, notifica a glândula pituitária de que está a ocorrer um ataque traumático. A glândula pituitária, por sua vez, notifica a glândula adrenal de que um evento traumático está em curso e que existe necessidade da libertação de hormonas para ajudarem o corpo a responder ao evento traumático. Os principais produtos químicos são libertados em face do trauma, onde se inclui a adrenalina e o cortisol, para ajudarem na resposta de luta ou fuga, os opiáceos ou a morfina natural para aliviar a dor, e a ocitocina para aumentar os sentimentos positivos.
Estes produtos químicos podem ser libertados simultaneamente, de modo que, além da resposta de luta ou fuga, a vítima pode apresentar uma resposta de congelamento. Os opiáceos e a ocitocina ajudam o corpo e a mente a sobreviver ao ataque através de um efeito entorpecedor. Esta resposta congelada que pode ocorrer durante uma agressão traumática, significa que algumas vítimas ficam literalmente paralisadas de medo por uma condição neurobiológica conhecida como “imobilidade tónica” ou “paralisia induzida por violação”. A taxa de vítimas de agressão sexual que foram afetadas por essa paralisia no  momento da agressão pode chegar a 50%. Porque as vítimas eram incapazes de mover os seus membros, tornou-se impossível para elas contra-atacar, pois estavam literalmente paralisadas ​​pelo ataque devido à “resposta autónoma” do corpo. 
As repetidas agressões podem ter um efeito cumulativo na vítima, o que pode levar a que esta não consiga codificar a informação no contexto ou sequência correta, apresentando apenas fragmentos sensoriais intensos que podem reaparecer periodicamente em pesadelos ou em sons ou cheiros específicos. As vítimas que tenham sofrido agressões sexuais anteriores, podem entrar em modo de congelamento muito mais rapidamente, e portanto, não conseguem relembrar o incidente na sequência adequada. Com o passar do tempo, a vítima pode-se lembrar dos eventos de forma mais organizada. O problema é que quando as vitimas são entrevistadas imediatamente após o incidente e depois passados alguns dias/horas, as entrevistas podem ser inconsistentes devido às respostas de codificação e sequenciamento, que são afetadas pela libertação dos opiáceos naturais. Essa inconsistência é usada para questionar a veracidade do que a vitima relata.
Uma das estratégias nestes casos assenta em esperar alguns dias para realizar a entrevista. As vitimas podem apresentar alterações na expressão facial que indiquem ausência de afeto e emoção. Isto é causado pelo cérebro quando liberta opiáceos durante o evento traumático, o que leva a um efeito entorpecedor, de modo que a vítima parece excessivamente calma, em vez de se apresentar “histérica”. À medida que o efeito entorpecente desaparece, as vítimas podem começar a colocar os eventos numa sequência, mas também podem começar a sentir a dor física e psicológica que o corpo essencialmente bloqueou.
Ao compreender o efeito do trauma no cérebro e no corpo, o comportamento e as respostas exibidas pelas vítimas começam a fazer mais sentido. Enquanto se pode esperar que uma vítima chore e seja histérica, algumas vítimas podem estar excessivamente calmas e até adormecidas devido à libertação de opiáceos naturais. As histórias da vítima podem mudar com o tempo devido a défices de codificação e sequenciamento provocados pela libertação de hormonas no corpo. Finalmente, é importante estar ciente que existe a possibilidade da vítima ter ficado literalmente paralisada pelo medo e não ter conseguido mover os seus membros. O sistema de justiça criminal não deve ser um lugar onde as vítimas de abuso sexual são revitimizadas devido à falta de compreensão da neurobiologia básica do tra