O abuso sexual de menores constitui uma problemática mundial trágica e cruel, bem como uma séria violação dos direitos humanos e dos direitos da criança à proteção e à saúde, tal como estabelecido na “Declaração Universal dos Direitos da Criança” e na “Convenção sobre os Direitos da Criança”. Embora se tratem de números gerais e que não dizem respeito apenas a casos de abuso sexual de menores, a OMS estima que, globalmente, cerca de 40 milhões de crianças, com idades compreendidas entre os 0 e os 14 anos, sofrem de alguma forma de abuso e de negligência. O abuso sexual de crianças é ainda, um tema complicado e difícil de ser abordado, justamente pelos tabus que o cercam, pelo preconceito e pelo silêncio das vítimas – que nem sempre compreendem exatamente o que lhes está a acontecer – e também das famílias que sentem “vergonha” ou não sabem como lidar com a situação.
O QUE É O ABUSO SEXUAL?
O abuso sexual corresponde ao envolvimento de uma criança ou adolescente, em atividades cuja finalidade visa a satisfação sexual de um adulto ou outra pessoa mais velha. Baseia-se numa relação de poder ou de autoridade e consubstancia-se em práticas nas quais a criança/adolescente, em função do estádio de desenvolvimento, não tem capacidade para compreender que delas é vítima; percebendo que o é, não tem capacidade para nomear o abuso sexual, não se encontra estruturalmente preparada e não se encontra capaz de dar o seu consentimento livre e esclarecido.
Assim, todas as situações em que, crianças ou adolescentes, são manietados por alguém, para praticar ato sexual de relevo, para obter prazer sexual, através de violência, sedução ou chantagem, constituem situações de abuso, bem como as práticas de carácter exibicionista perante o outro, a obscenidade escrita ou oral, a obrigatoriedade de assistir a espetáculos pornográficos, o uso de objetos pornográficos ou, ainda, se o menor é usado para fins fotográficos ou em filmes de índole pornográfica.
Na maioria dos casos, as crianças conhecem os seus agressores. O abuso sexual pode acontecer em qualquer lugar e pode ser presencialmente ou online. O abuso sexual nem sempre é sexo - pode também incluir uma série de comportamentos sexuais que podem ser físicos, verbais ou emocionais.
O abuso sexual de crianças pode incluir:
· Toque sexual ou carícias sexuais nas áreas privadas do corpo.
· Colocar objectos ou partes do corpo dentro da boca da criança, ânus, vagina para prazer sexual ou qualquer razão desnecessária.
· Exposição do corpo a uma criança.
· Masturbação ou fazer sexo em frente da criança, forçando a criança a masturbar-se.
· Fotografar a criança de uma forma sexual.
· Expor uma criança à pornografia.
· Ver uma criança a despir-se ou a utilizar a casa de banho sem o conhecimento prévio da criança.
· Utilizar um computador, telemóvel ou outros meios de comunicação social para expor sexualmente uma criança.
As crianças são geralmente abusadas por alguém que conhecem e muitas vezes começa quando são muito jovens. O abuso sexual não é geralmente um incidente isolado. O abuso sexual de crianças é um crime público e constitui um crime grave, que causa sérios danos às crianças e às suas famílias e podem durar uma vida inteira.
COM QUE FREQUÊNCIA OCORRE O ABUSO SEXUAL INFANTIL?
FACTO: A prevalência real do abuso sexual de crianças não é conhecida porque muitas vítimas não revelam ou denunciam o seu abuso. Os investigadores têm sugerido taxas que variam entre 1% e 35%.
Em Portugal cerca de 4 crianças por dia são vítimas de abuso sexual.
FACTO: Estudos retrospetivos com adultos mostram que 1 em cada 4 mulheres e 1 em cada 6 homens foram abusados sexualmente antes dos 18 anos de idade. Cerca de 73% das crianças vítimas de abuso não contam a ninguém que sofreram.
FACTO: Quase 70% de todas as agressões sexuais notificadas (incluindo agressões a adultos) ocorrem a crianças com menos de 17 anos. Os jovens têm taxas de vitimização de agressões sexuais mais elevadas do que os adultos.
SINAIS DE ABUSO SEXUAL
O conhecimento dos sinais de abuso sexual pode ajudar a dar voz às crianças. Por vezes, as crianças não compreendem que, o que lhes está a acontecer, é errado. Ou podem ter medo de falar. Os sinais podem ser muito diferentes de criança para criança. Podem aparecer imediatamente ou durante a vida da criança. Estes sinais podem ser: alterações físicas, comportamentais e emocionais.
As crianças por vezes revelam apenas uma quantidade muito pequena de informação, que pode ser algo tão simples como: "Não gosto de ir à casa desta pessoa" ou "Esta pessoa é nojenta". Os pais devem prestar atenção a comentários como estes e pedir à criança para falar mais sobre esse assunto. A maioria das vítimas não apresentam provas físicas do seu abuso (84% dos casos), devido à capacidade do corpo de cicatrizar rapidamente, assim como pelo atraso entre a denuncia e a avaliação.
Mudanças de comportamento
Pais ou responsáveis devem estar atentos se a criança ou o adolescente muda o seu comportamento, se começa a ter medos que não tinha anteriormente (por ex. do escuro, de ficar sozinha ou de se aproximar de determinadas pessoas); ou, então, tem mudanças extremas no humor: era extrovertida e passa a ser muito introvertida, era calma e passa a ser agressiva. A rejeição ou mesmo o pânico a pessoas da família também pode ser um sinal de alerta, visto que, a maioria dos casos é praticado por familiares próximos.
Proximidade excessiva
Se, ao chegar à casa de familiares ou conhecidos, a criança desaparece durante várias horas para brincar com um primo mais velho, tio ou padrinho ou se é alvo de um interesse incomum de adultos dentro da família, em situações em que ficam sozinhos sem supervisão, é preciso estar atento a esse alerta. O abusador amiúde manipula emocionalmente a vítima que nem sequer percebe o que se está a passar, o que pode levar ao silêncio por sensação de culpa.
Regressão
A vítima pode apresentar comportamentos que já havia abandonado, como urinar na cama ou voltar a chupar o dedo. Ou ainda, apresentar crises de choro sem motivo aparente. Isolar-se com medo, não confiar em ninguém, não sorrir ou usar roupas desadequadas para o clima em questão, por exemplo, usar camisolas de manga comprida, que podem esconder lesões de automutilação.
Segredos
Para manter o silêncio da vítima, o abusador pode fazer ameaças de violência física e ameaças de expor fotos íntimas. É comum, também que os agressores usem presentes, dinheiro ou outro tipo de benefício material para construir a relação com a vítima. É preciso explicar às crianças que nenhum adulto ou criança mais velha deve manter segredos com ela que não possam ser compartilhados com adultos de confiança, como a mãe ou o pai.
Hábitos
As crianças vítimas de abuso também podem apresentar alterações repentinas dos seus hábitos. Pode ser desde um mau desempenho escolar, falta de concentração, recusar participar em atividades, alterações na alimentação (anorexia, bulimia), distúrbio do sono como pesadelos e insônia, medo de ficar sozinho e mudança na aparência e na forma de se vestir.
Questões de sexualidade
As vítimas podem reproduzir o comportamento do abusador noutras crianças/adolescentes. Podem apresentar linguagem ou comportamento sexual inadequado para a idade da criança.
Questões físicas
Os sinais físicos de abuso sexual são raros, no entanto, podem existir situações em que as crianças/adolescentes podem apresentar infeções sexualmente transmissíveis ou mesmo gravidez. Outros sinais de alerta incluem: roupa interior rasgada, equimoses, contusão, edema ou irritação na zona genital, infeções urinárias de repetição, dificuldade em urinar ou evacuar, dificuldade em andar ou sentar-se, dor, prurido, ou ardor na zona genital.
Negligência
É com frequência que o abuso sexual em crianças vem acompanhado de outros tipos de maus-tratos, como a negligência. Crianças que passam muitas horas sem supervisão ou que não tem o apoio emocional da família, com diálogo aberto com os pais, estão em situação de maior vulnerabilidade a este tipo de abuso.
QUEM ESTÁ EM RISCO
Qualquer criança está em risco de ser abusada sexualmente. É importante lembrar que tanto rapazes como raparigas podem ser abusados. A maioria das crianças que foram abusadas sexualmente foram abusadas por alguém que conheciam. Pode ser um membro da família, um amigo ou alguém que tenha convívio com a criança, como um professor ou um treinador desportivo.
As crianças com défices são mais suscetíveis de serem abusadas, especialmente aquelas que são incapazes de denunciar o que está a acontecer ou que não compreendem que se trata de abuso o que estão a vivenciar.
Alguns abusadores aproveitam-se das crianças que estão isoladas ou que são negligenciadas pelos pais ou pelos cuidadores, este tipo de abuso requer proximidade entre agressor e vítima.
A estrutura familiar é o fator de risco mais importante no abuso sexual de crianças. As crianças que vivem com dois pais biológicos casados correm baixo risco de abuso. O risco aumenta quando as crianças vivem com padrastos ou com um progenitor solteiro. As crianças que vivem sem nenhum dos pais (filhos adotivos) têm 10 vezes mais probabilidade de serem abusadas sexualmente do que as crianças que vivem com ambos os pais biológicos. As crianças em agregados familiares de baixo estatuto socioeconómico são 3 vezes mais suscetíveis de serem identificadas como vítimas de abuso.
EXISTEM CERTOS FACTORES QUE TORNAM UMA CRIANÇA MAIS VULNERÁVEL AO ABUSO SEXUAL?
FACTO: As crianças de todos os sexos, idades, afinidades populacionais, etnias, estatuto sócio económico e estrutura familiar estão em risco, nenhuma criança está imune.
FACTO: Os agressores, ao serem interrogados, afirmaram que procuravam características específicas nas crianças que escolherem para abusar. Relataram que procuravam crianças passivas, silenciosas, perturbadas e solitárias, com famílias monoparentais ou pertencentes a lares desfeitos. Os agressores trabalhavam proactivamente para estabelecer uma relação de confiança antes de abusarem delas.
FACTO: O género é também um fator importante no abuso sexual. As meninas têm 5 vezes mais probabilidades de serem abusadas do que os meninos. A idade média para os abusos é de 9 anos.
QUEM SÃO OS AGRESSORES?
A maioria dos agressores sexuais de crianças são homens e podem ser membros respeitados da comunidade atraídos para locais onde possam ter fácil acesso a crianças como escolas, clubes e igrejas. A maioria dos agressores pertencem ao núcleo familiar, pai, mãe, padrasto e madrasta. Pertencem a todas as faixas etárias, religiões e classes socioeconómicas. A maioria das vítimas conhece e confia nos seus agressores. Não são os estranhos que as crianças mais têm de temer.
Muitos agressores estabelecem uma relação de confiança com a família da vítima a fim de terem acesso à criança. Frequentemente fazem comentários inapropriados assim como apresentam comportamentos cada vez mais insidiosos. Cerca de 35% dos agressores condenados usaram ameaças de violência para impedir que as crianças revelassem o abuso. A maioria dos abusos sexuais de crianças ocorre numa residência, tipicamente a da vítima ou do agressor.
EFEITOS DO ABUSO SEXUAL
O abuso sexual pode ter efeitos tanto a curto como a longo prazo. O impacto do abuso sexual pode durar uma vida inteira. Alguns exemplos dos efeitos:
· Ansiedade e depressão
· Distúrbios alimentares
· Stress pós-traumático
· Dificuldade em lidar com o stress
· Automutilação
· Pensamentos suicidas e suicídio
· Infeções sexualmente transmissíveis
· Gravidez
· Sentimentos de vergonha e de culpa
· Problemas com drogas e álcool
· Problemas de relacionamento com a família, amigos e parceiros.
MITOS E VERDADES
Mitos:
- Pessoas simpáticas não ofendem sexualmente as crianças.
- A maioria dos agressores são desconhecidos.
- Todas as vítimas acabam por se tornar delinquentes.
- Se uma criança for abusada sexualmente, informa de imediato o adulto.
- Só o abuso sexual físico tem um impacto emocional nas crianças.
- Crianças fantasiam e mentem sobre abuso sexual
- As crianças são sedutoras e provocam os homens
Verdades:
- Não existe um agressor sexual típico. Podem pertencer a todos os estratos sociais; podem fazer parte da família; podem ser apreciadas e socialmente competentes.
- Na grande maioria dos casos de abuso sexual de crianças, o agressor não é um estranho para a criança.
- Independentemente dos seus comportamentos, o abuso sexual de crianças NUNCA é culpa da criança.
- O abuso sexual que não inclui o contacto, tem um impacto psicológico e emocional sobre a criança.
- O abuso sexual infantil não se limita a situações que incluem a força.
SE UMA CRIANÇA REVELAR QUE FOI VÍTIMA DE ABUSO
Se uma criança disser que foi vítima de abuso sexual, é importante:
· Ouvir atentamente o que a criança diz
· Dizer à criança que fez a coisa certa, reforçando que a culpa não é dela
· Dizer à criança que leva a sério o que ela está a dizer
· Não confrontar o alegado agressor
· Explicar o que vai fazer a seguir
· Relatar o que a criança disse o mais cedo possível, denunciando o caso para a autoridade policial.
PRINCÍPIOS DE INTERVENÇÃO
As crianças abusadas sexualmente, assim como as suas famílias podem precisar de assistência dos serviços de proteção à criança, do sistema de justiça criminal e de serviços de aconselhamento e apoio. A intervenção eficaz deve estar centrada na criança, e deve envolver o trabalho por equipa multidisciplinar e ser guiada pelos seguintes princípios:
• O abuso sexual infantil é inaceitável
• Todas as crianças têm o direito a estarem seguras e protegidas contra o abuso sexual
• O abuso sexual é um ato criminoso
• Uma criança deve sempre ser levada a sério se alegar abuso sexual
• A intervenção deve ter como objetivo promover o relacionamento entre a criança e os pais que não abusam
• As crianças que foram abusadas têm o direito e precisam de um ambiente de apoio seguro. As crianças também têm direito à intervenção legal e protetora, a uma perícia médico legal, e aos serviços de aconselhamento e tratamento.
• A primeira prioridade de intervenção deve ser sempre proteger a criança e promover a sua recuperação.
PREVENIR O ABUSO SEXUAL
Todos nós podemos ajudar a prevenir o abuso sexual e a manter as crianças seguras. Podemos acabar com o abuso sexual antes que este aconteça. Se uma criança tiver sido abusada sexualmente, podemos ajudar a dar-lhe voz para que possa contar a alguém.
Ao ensinar as crianças e os jovens sobre o que são relações saudáveis e como podem permanecer seguros, pode-se ajudar a prevenir a exploração sexual. Estas ações devem ser realizadas desde tenra idade.
É imprescendivel garantir que as crianças e os jovens saibam que há adultos de confiança com quem podem falar sobre as suas preocupações. Algumas crianças e jovens podem não estar conscientes dos perigos que envolvem o abuso.
Ao ensinar as crianças sobre a segurança do corpo, limites saudáveis do corpo e ao encorajar uma comunicação aberta sobre questões sexuais, pode ajudar a protegê-las do abuso sexual. Ficam aqui algumas dicas:
· Falar precocemente sobre as partes do corpo - Ensinar a criança quais os nomes anatómicos apropriados para as partes privadas do seu corpo, tais como: pénis, vagina ou ânus.
· Ensinar às crianças a diferença entre contacto físico aceitável e não aceitável. Dizer à criança que o seu corpo lhe pertence - Falar sobre a diferença entre toques seguros e inseguros e ensinar às crianças que elas podem dizer não ao toque que as faz sentir-se assustadas ou desconfortáveis.
· Ensinar a criança que algumas partes do corpo são privadas – Dizer à criança que as suas partes privadas são chamadas privadas, porque não são para que todos as vejam. Ensinar as 10 regras das partes privadas.
· Ensinar às crianças que são donas do seu próprio corpo e que têm o direito de decidir quem pode, ou não, tocar no seu corpo. Mostrar às crianças que, caso alguém toque no seu corpo contra a sua vontade, ou de forma desadequada, devem mostrar desagrado contra essa pessoa e contra o seu comportamento, dizendo que não, ou até fugindo para perto de algum adulto em quem confiem.
· Ensinar que existem limites do corpo - Explicar os limites do corpo e que não é correto que alguém toque nas suas partes privadas ou lhes peça para tocarem nas deles.
· Ensinar a criança a sair de uma situação assustadora ou desconfortável - tal como dizer "Não" ou "Pare" em voz alta. Também podem dizer à pessoa que precisa de sair para ir à casa de banho e depois encontrar um adulto com quem falar. Ensinar a criança a ter uma palavra que identifique o perigo, por exemplo o nome de um herói que a criança goste. Nesse caso quando a criança estiver assustada por dizer essa palavra.
· Utilizar recursos ou jogos apropriados - Para reforçar as mensagens de segurança e para ajudar as crianças a reconhecer, reagir e reportar quando não se sentem seguras.
· Promover um clima de confiança, com base numa comunicação transparente, que mostre à criança a diferença entre bons e maus segredos. Reforçar, com as crianças, que segredos bons geram alegria e bem-estar, e segredos maus geram ansiedade, desconforto, medo, ou tristeza, pelo que não devem ser guardados. É importante mostrar à criança que segredos sobre o seu próprio corpo não são bons segredos, mesmo que tenha sido um adulto próximo a pedir para os guardar. Por este motivo, segredos maus devem sempre ser partilhados com adultos de confiança.
· Ajudar a criança a identificar as três pessoas com quem ele se sente seguro e confiante e que acreditariam nele se ele contasse fosse o que fosse.
10 regras das partes privadas:
1. NÃO é correto tocares nas partes íntimas de outras pessoas
2. NÃO é correto alguém tocar nas tuas partes íntimas
3. NÃO é correto olhares para as partes íntimas de outras pessoas (na vida real ou em fotos).
4. NÃO é correto mostrares as tuas partes íntimas para outras pessoas.
5. NÃO é correto tirares fotos das tuas partes íntimas
6. Não há problema em tocares nas tuas partes íntimas para mantê-las limpas.
7. NÃO é correto deixares os outros desconfortáveis com o teu comportamento ou linguagem sexual quando for desadequado para a situação
8. NÃO é bom falares sobre as partes íntimas para divertires outras crianças. Se tens alguma dúvida sobre privacidade ou sexo, pergunta a um adulto.
9. Não há problema em dizeres aos teus pais se infringiste uma regra de privacidade. Eles vão tentar ajudar-te.
10. Se outra pessoa quebrar uma regra, conta a um adulto em quem tu confies e continua a contar até que alguém o ajude.