quarta-feira, 25 de março de 2020

NEUROBIOLOGIA DO TRAUMA




A base da neurobiologia do trauma é a neurobiologia do medo. O lobo frontal é a área do cérebro que se desenvolve em último lugar nas mulheres o desenvolvimento dá-se por volta dos 21 anos e nos homens por volta dos 25 anos. Uma situação de stress tem um impacto elevado no lobo frontal, o que tem influência no seu funcionamento. 
A amígdala quando deteta uma situação traumática ativa a produção de noradrenalina e dopamina o que vai ter um impacto grande no lobo frontal. O lobo frontal congela. O lobo frontal fica afetado também na produção da memória existindo problemas no contexto e na sequência. 
Numa situação normal se perguntarmos a uma pessoa se ela se lembra do dia em que casou, ou se formou as pessoas lembram-se de detalhes únicos o que não acontece em situações de trauma. Numa situação normal uma pessoa consegue dizer os detalhes desde o início do dia até ao final do dia. 
Nos casos em que existe um evento traumático a memória fica muito fragmentada, a pessoa apenas lembra-se de locais, sons, cheiros, e são recordados de forma intensa que normalmente chamamos de flashbacks e pesadelos.
Por exemplo 1 pessoa que tem um acidente de carro pode acordar ao meio da noite com o barulho dos vidros a partirem, pode estar a beber um café e de repente sentir o cheiro da gasolina do carro a derramar, chamamos a isto de fragmentos sensoriais, porque o lobo frontal, o hipocampo e o tálamo, estão degradados pelas hormonas do stress.
A pessoa apenas tem fragmentos intensos e não colocados em contexto e sequencia. Quando se questiona esta vítima, nós podemos dizer: tu ouviste os vidros a partir, os pneus a travar, o cheiro a gasolina, mas o que aconteceu primeiro? Foram os vidros, os pneus, ou a gasolina?. O que a vítima vai fazer é tentar pensar numa lógica dos acontecimentos, mas a vítima não tem a certeza e as coisas poderão não ter acontecido dessa forma.
No fundo as vítimas pegam nos fragmentos e tentam colocá-los numa sequência que pareça lógica. Claro que existem muitas implicações para a forma como se conduz a entrevista. As perguntas devem incidir sobre os fragmentos sensoriais.
Nas vitimas de abuso sexual quando se perguntam coisas que vão alem dos fragmentos sensoriais, tais como, a que horas as coisas aconteceram ou detalhes periféricos, as vitimas vão ter tendência para responder, para tentarem ajudar, mas podem estar enganadas em relação à sequência e podem errar. A situação pode ainda complicar se a vítima for questionada novamente daí a uns dias, ela pode errar novamente porque na verdade ela não consegue colocar as memórias em sequência e mais uma vez ela tenta ajudar a investigação. 
Então ficamos com 2 ou 3 versões diferentes por parte da vítima o que pode levar a que o juiz pense que ela está a mentir porque existem inconsistências. As vítimas que são abusadas várias vezes podem ter memórias ainda mais fragmentadas. O cérebro destas vítimas perante a ameaça entram em modo de fragmentação mais rapidamente uma vez que detetam o episodio anterior. O lobo frontal começa a degradar mais rapidamente a amígdala produz estimulação dos neurotransmissores mais rapidamente. Nestes casos é prioritário conduzir a entrevista de forma muito cuidadosa.
Durante uma entrevista de uma mulher batida, observei que a mulher agarrava os seus pulsos diversas vezes. Eu parei a entrevista e perguntei o que se passava, para ela estar a agarrar os pulsos. Ela respondeu que não tinha dado conta, mas que há uma semana, que parecia que tinha uma sensação de que alguém a estava a agarrar, mas que ninguém estava efetivamente a agarrá-la. Esta memoria indicou que o agressor tinha agarrado esta mulher e que aquela sensação tinha ficado gravado na sua memoria de tal forma que ela não mais esqueceu. 
Ela não tinha memoria do que tinha acontecido, mas o lobo frontal ficou com este fragmento de memória. Quando eu agarrei os pulsos dela, ela fugiu assustada, aquela memória reativou a sensação que tinha vivido.
Hoje trabalhasse segundo o ciclo do sono. Deixa-se a vítima completar um ciclo de sono e só depois faz-se a entrevista. No entanto mais importante do que a data da entrevista é a forma como ela é conduzida. Evitar perguntas como: diga-me desde o princípio como as coisas aconteceram. Devem ser feitas perguntas sensoriais:
·      Diga-me tudo o que se recorda sobre o que cheirou? A vítima pode recordar-se da marca do perfume, do desodorizante do after shave.
·      Fazer perguntas sobre os sentidos, percorrer todos os sentidos.
·      Perguntar: existem algumas partes do seu corpo que tenham alguma sensação?

As memórias fragmentadas começam então a juntarem-se como um puzzle. A literatura revela que 2 a 3% dos casos são falsas acusações com histórias fabricadas. 
A chave para qualquer entrevista e avaliação é a compaixão e empatia. Se queremos que alguém nos dê informação detalhada, a melhor forma é que a pessoa sinta que pode confiar em nós. Ser aberto, compaixão, ter empatia e ser afável.